07 junho 2009

Feitos Um pro Outro

“ É um defeito, mas nada mais delicioso do que ouvir de uma mulher: “CANALHA!” . Ser chamado de “canalha” por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som reboa redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.

Canalha, definitivo como um estampido, como um tapa. Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo. Não o canalha canalha, mas o ca-na-lha, sem repetição. Único. Irrepetível. Não o canalha que deixa a mulher, o canalha que permanece junto. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido a uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.

O canalha. Como um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós-graduação do “sem-vergonha”.

… Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.

Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afetuosa. Uma provocação. Não se está concluindo, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa. “

Mudando a perspectiva... Canalha tem um equivalente.

" Desembarcamos no ponto alto: se o canalha fosse mulher, seria SA-FA-DA.

É o café cortado que faz par ao expresso. A pronúncia é igual. Aberta, com as vogais batendo três vezes nos dentes. Safada é o vodu da dicção. Alfineta a boca. Estala, como aldrava numa porta.

Quando o homem fala SAFADA, tem dificuldade para terminar. É derrotado pelo prazer. Prolonga ao máximo, como um guizo de uma cascavel. Depois de verbalizar, sente imediatamente uma saudade sonora.

Safada é expressão para morder, por mais que se queira lambê-la. Pode ser disparada no cantinho de trabalho ou numa roda de samba. É um elogio da malícia feminina, reconhecimento ao incontrolável temperamento. Com “sua” na frente é AVC. Não há como negociar prazos.

Repare: Sua Safada. O pulmão pede passagem. Mais consagração do que ofensa. Picardia na medida certa. Melodia que insinua e não limita o delírio.

Um sujeito somente diz quando reconhece que está sendo derrubado e nunca gostou tanto de ser masoquista. “Safada” é gritado como "Canalha". Ainda que num sussurro, ultrapassa o limite de 60 decibéis e deflagra a poluição sonora.

É um “não esperava” esperando. O cara restará idiota, com o rosto perplexo de quem pensa “nos conhecemos de algum lugar?” e não estraga o momento com essa pergunta. Traz uma autoridade milenar, um conhecimento secreto que não merece ser revelado, muito menos questionado.

Safada é libertinagem ingênua, devassidão castiça. Safada é o que o homem encontrou para não entregar que está apaixonado."

Fabricio Carpinejar

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